UM BRADO ÀS MARGENS DO IPIRANGA
O povo heroico, cujo brado
retumbante foi ouvido um dia às margens plácidas do Ipiranga, anda cansado. Heroico, mas cansado, oprimido e estarrecido em meio aos escândalos que superam
o nonsense bigbrotheriano na TV, em meio ao custo de vida sempre crescente, aos
impostos mais altos e a violência das grandes cidades.
O brado nem retumba mais; o que
retumba são os disparos nas madrugadas, nas cidades sitiadas pela violência.
As margens também não são mais
tão plácidas, porque os rios estão sendo assoreados pelo desmatamento e
mergulhados na lixívia da poluição.
Quanto ao sol da liberdade, seus
raios fúlgidos persistem em brilhar no céu da pátria, mas não para todos, uma
vez que há muitos vivendo na escuridão dos casebres, favelas, cabeças-de-porco
e outros tipos de habitação sub-humanas. Há ainda a escuridão do analfabetismo,
da ignorância e da brutalidade em que muitos vivem mergulhados.
Os braços outrora fortes que
conquistaram o penhor desta igualdade estão cansados de lutar sem ver nenhum
resultado, e o nosso peito, que desafiava a morte no seio da liberdade, está
fraco, combalido, quase mudo.
Mas ainda te amamos pátria. E
queremos que te salves, salve , salve!
Ah, Brasil! Do teu formoso céu,
risonho e límpido, onde resplandece a imagem do cruzeiro, desce a terra um
sonho intenso, um raio vivido de amor e esperança.
És tão grande, tão enorme, de
uma natureza tão rica e tão grandiosa, colosso impávido, tão belo, tão forte!
Será que o teu futuro vai
espelhar esta grandeza? Minha terra adorada, minha pátria, gentil mãe dos
filhos deste solo, meu Brasil...
Será, Brasil, que estás te
preparando para esse futuro, que deverá um dia espelhar tua grandeza? Será que
já não permaneces de há muito tempo deitado em berço esplêndido, ouvindo o
marulhar das ondas e perdido na contemplação do céu profundo, fulgurando como
verdadeiro florão da América iluminado o sol do novo mundo?
Tuas terras não são mais tão
garridas, invadidas pela grilagem e pela especulação, enquanto as flores dos
teus campos foram calcadas pelos pés daqueles que têm terra pelo menos para
especular.
E onde está a vida de nossos
bosques, contrabandeada em gaiolas para o estrangeiro, que vive e registra
nossos produtos, como sendo deles, que se alimenta e se enriquece as custas da
apropriação de nosso biodiversidade?
Nossa vida, que em teu seio
deveria ser repleta de amores, esta cada vez mais farta em suores e cansaço na
labuta que nos fornece apenas o pão de cada dia, o duro catre para o repouso e
uma existência sem perspectivas.
Mas continuamos te amando,
pátria idolatrada!
Mesmo que seja cada vez mais
difícil ver como símbolo de amor eterno tua bandeira, que ostentavas com
orgulho cheia de estrelas, e o verde e ouro desta flâmula que prometia paz no futuro e glória
no passado. Essa bandeira serve hoje de pano de fundo para as solenidades
oficiais, onde figurões engravatados e desonestos simulam governar para o povo
e em nome deles, mas fazem a clava forte da justiça se erguer apenas em defesa
dos ricos e poderosos.
Teus filhos estão quase sem
energia e disposição para irem à luta, temerosos da morte e do esquecimento,
cobertos de vergonha, e acham que a batalha não vale a pena, pois estão certos
de que estarão dando a vida por uma ficção, uma miragem, uma figura de linguagem.
Ah, terra adorada! Entre outras
mil, és tu, Brasil? Ó pátria amada, serás mesmo mãe gentil dos filhos deste
solo? Pátria amada, Brasil?
(José Fernandes Sobrinho)
Parnamirim n. 09 – GLERN
Rio Grande do Norte